segunda-feira, junho 02, 2008

Legislação corrigida

HÁ UM ANO QUE DOCENTE DO POLITÉCNICO DE VISEU VINHA ALERTANDO PARA O PROBLEMA
FINALMENTE CORRIGIDA LEGISLAÇÃO QUE OBRIGOU MILHARES DE PESSOAS A PAGAR MAIS, TODOS OS MESES, PELO SEU EMPRÉSTIMO PARA COMPRA DE CASA
Foi publicado o Decreto-Lei nº 88/2008 que vem, entre outros aspectos, revogar o disposto no famigerado artº 4º do Decreto-Lei nº 51/2007, que tanta tinta fez correr nos últimos meses e que obrigou, durante mais de um ano, milhares de pessoas a pagar, todos os meses, mais alguns euros pelo seu empréstimo para compra de casa (e não só).

Rogério Matias, docente da Escola Superior de Tecnologia do Instituto Politécnico de Viseu, começou a alertar para a infeliz redacção daquele artigo em Maio do ano passado. De então para cá, por diversas vezes se manifestou contra ela. Impunha-se, pois, ouvi-lo neste momento


P: Que comentários lhe merecem as alterações introduzidas com este Decreto-Lei?

R: Duma forma breve, direi que “mais vale tarde do que nunca”. As duas alterações mais significativas dizem respeito à forma como devem ser contados os prazos nos empréstimos, por um lado, e nos depósitos, por outro. Sem entrar em detalhes, direi que ambas são, em si mesmas, favoráveis ao cliente. Relativamente aos empréstimos, o que se faz agora é, no fundo, repor a situação vigente até à entrada em vigor do DL nº 51/2007, em Abril de 2007. A infeliz redacção do artº 4º desse diploma fez com que, durante mais de um ano, milhares e milhares de pessoas tenham estado a pagar mais alguns euros, todos os meses, sem qualquer justificação plausível. Apenas devido à infeliz redacção daquele artigo. Estou convencido que a intenção do legislador foi boa; o problema foi a redacção dada ao referido artigo. Duma forma simples, o que agora se faz é dizer que o ano “tem” 360 e não 365 dias, para efeitos de cálculo dos juros. Por outro lado, fica também expressamente referido que deve ser assumido como indexante a Euribor na base de 360 dias. Ou seja, repõe-se a situação que vigorava antes da publicação do referido DL nº 51/2007. Tardou, mas felizmente, resolveu-se.

P: Duma forma resumida, porque surgiu a polémica? A que se ficou a dever o facto de as pessoas terem andado a pagar, todos os meses, prestações mais elevadas do que deviam?

Em primeiro lugar convém referir que isso não aconteceu com todas as pessoas. Alguns bancos (poucos) optaram por manter os cálculos anteriores, certamente por entenderem que o disposto no artº 4º do DL nº 51/2007 era, para ser suave na apreciação, estranho. Muito resumidamente, a questão pode ser apresentada do seguinte modo: a prestação que o cliente paga mensalmente resulta de um cálculo matemático e depende do montante da dívida, do prazo do empréstimo e da taxa de juro aplicada ao mesmo. Esta é genericamente composta pela soma de duas parcelas: a taxa Euribor, que é no fundo uma média das taxas praticadas por algumas dezenas de bancos maioritariamente europeus e uma parcela variável (que depende de vários factores) a que normalmente se chama spread. Ora, tentando pôr as coisas de uma forma simples, no cálculo da taxa Euribor considera-se que o ano tem 360 dias, ou seja, no fundo, que todos os meses têm 30 dias. O mesmo acontecia com a taxa de juro aplicada ao empréstimo. Era uma prática generalizada, de utilização pacífica e muito cómoda em termos dos tais cálculos matemáticos que conduzem ao valor da prestação a pagar pelo cliente em cada mês, daí derivando algumas particularidades que, pela sua complexidade técnica, não vale a pena aprofundar aqui. O que importa é que, ao considerar que todos os meses têm 30 dias, é possível estabelecer uma prestação mensal constante, independentemente do facto de se tratar de meses de 30, 31 ou 28/29 dias. A prestação mensal só varia se e quando a taxa de juro aplicada ao empréstimo for revista e alterada. Como disse, isto era pacífico. A prática bancária há muitos anos que se regia por estes princípios de forma generalizada. Acontece que em Março do ano passado foi publicado o DL nº 51/2007 (7 de Março) cujo artº 4º dispunha textualmente o seguinte: “O cálculo dos juros aplicados aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei é feito tendo como referência 365 dias”. Era bom de ver, para quem tem alguns conhecimentos de Cálculo Financeiro, que esta redacção traria alterações à prática anterior. Alterações que, forçosamente, iriam prejudicar o cliente. Mais uma vez, para que o cidadão comum perceba, mesmo sem entrar em aspectos técnicos, basta dizer que, no fundo, anteriormente o cliente pagava 360 dias de juros por ano e, com esta alteração, passou a pagar 365 dias de juros por ano. Como disse, acredito que a intenção do legislador não fosse essa. Contudo, foi isso que passou para a letra da lei.

P: Considera que, como disse o Secretário de Estado da Defesa do Consumidor, houve uma “interpretação abusiva” do artigo 4º desse Decreto-Lei por parte dos bancos?

R: Não. Continuo a achar, como sempre disse, que a redacção incorre num erro grosseiro em termos de conceitos de Cálculo Financeiro. Não considero, de todo, que tenha havido, neste caso, uma “interpretação abusiva” por parte da banca. Aquela redacção permitiu (diria mesmo “impôs”) aos bancos a interpretação que fizeram e que, em termos práticos, fez com que os clientes pagassem uma prestação mais elevada, todos os meses, do que deveriam pagar. Recordo que comecei a chamar a atenção de diversas entidades e organismos para este aspecto em Maio do ano passado. Continuo a achar, como há um ano atrás, que a banca (de um modo geral) não só cumpriu o disposto nesse artigo, como o fez da forma mais “elegante” possível, ao manter a prestação constante através do ajustamento da taxa de juro, concretamente, da Euribor. Como referi, esta taxa é calculada e divulgada na base de 360 dias. O que a maioria dos bancos fez, para dar cumprimento ao infeliz artigo 4º do DL nº 51/2007 foi simplesmente ajustá-la à base de 365 dias, o que resultou, evidentemente, num valor superior. Outras duas possibilidades de dar cumprimento àquele artigo seriam passar a ter prestações variáveis de mês para mês ou ter que efectuar algum acerto de contas (entenda-se: pagamento adicional por parte do cliente) periodicamente ou de uma só vez . Daí eu considerar que a forma encontrada foi, apesar de tudo, a mais elegante. A nova redacção do artigo 4º estipula claramente que “o cálculo dos juros deve adoptar a convenção 30/360, correspondente a um mês de 30 dias e a um ano de 360 dias” e ainda que o mesmo deve acontecer com o indexante, concretizando que “sendo o indexante a Euribor, esta deve corresponder à sua cotação com referência a um ano de 360 dias” – tal como é divulgada. Já agora, deixe-me dizer o seguinte: ao longo dos últimos meses temos assistido a tomadas de posição simplesmente lamentáveis por parte de algumas entidades e organismos com responsabilidade, basicamente tentando justificar o injustificável, umas argumentando que se tratava de uma interpretação abusiva por parte da banca, outras vindo a público “exigir” a correcção da situação quando elas próprias, como consta no Preâmbulo do DL nº 51/2007, tinham sido “ouvidas” ou “consultadas” na redacção desse mesmo diploma!...

P: E qual é a segunda alteração agora introduzida?

É ao nível da contagem do tempo no caso dos depósitos, que passa a estar regulamentada e bem definida. A este nível, a legislação agora aprovada é, de per si e ceteris paribus, benéfica para o cliente, uma vez que é adoptada a base de cálculo Actual/360 para esse efeito. Esta é a forma de contagem do tempo que mais beneficia o aforrador. Repito: desde que tudo o resto se mantenha, nomeadamente, as taxas de juro. De todo o modo, acentuo que é uma medida que deve ser aplaudida. Não tanto pelo real impacto que vai ter para cada depositante, individualmente considerado, mas sobretudo pelo sinal que é transmitido ao mercado. De facto, trata-se de uma medida que clarifica e uniformiza a forma como devem ser calculados os juros dos depósitos, o que é duplamente vantajoso para o consumidor. Por um lado, passa a ser muito mais fácil estabelecer comparações entre diferentes ofertas bancárias; por outro, a base de cálculo adoptada é a mais vantajosa para o cliente na esmagadora maioria dos casos, apesar de, para o aforrador médio, isto se traduzir num benefício material de pouca monta. Por exemplo: um depósito de 1.000 euros constituído em 20 de Fevereiro passado e resgatado em hoje (29 de Maio), remunerado à taxa anual de 4%, rende actualmente 10,85 euros de juros; se já estivesse em vigor o novo regime, renderia 11,00 euros de juros.

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