Uma espreitadela ao velho 2006
Reveste-se de alguma complexidade a abordagem de um possível balanço do ano 2006. Desde logo pela dimensão do arco temporal proposto e, por outro, pela necessidade de rigor que tal apreciação exige. Não será possível que, alguém de bom senso, possa emitir rigorosos juízos de valor ou outros de menor valia científica. O manto diáfano que cobre o País não permite ver de forma muito clara e objectiva o estado em que se encontra o nosso Portugal. Às vezes apetece dizer que, de evidência em evidência, o país se desnuda permitindo apenas um tímido olhar para além da aparência.
Um cidadão consciente que deseje estar razoavelmente informado sobre o que se passa neste cantinho à beira-mar plantado, perante o bombardeamento noticioso contraditório, sincrético e entrópico, desespera por não ter possibilidade de compreender o que se passa à sua volta e questiona-se sobre “quo vadis Portugal? E se quiser emitir opinião consequente terá grandes constrangimentos, já que a verdade anda mesmo arredada da grande maioria da população portuguesa.
Quase todos os actores em presença na vida nacional fogem, de um modo ou outro, à verdade. Fogem os políticos (há quem defina a política como a arte de mentir a propósito), o arco-íris dos dirigentes nacionais, regionais, locais, os ricos, os pobres e os remediados com o argumento de que é preciso evitar situações de confronto social e, por isso, é preferível ficarmos pelo “nim”.
Por estas e outras razões encontramos, diariamente, muitos portugueses que, incrédulos, se interrogam:
- Então como está o nosso país?
Bom, tem havido uma grande recuperação bem visível no aumento do produto interno bruto. Outros dirão que há sensíveis sintomas de que a retoma económica já é visível. Há ainda os menos verdadeiros que afirmam solenemente que até já se vê uma luz ao fundo do túnel. Alguns portugueses mais simplórios chegam mesmo a interrogar-se querendo saber se essa luz intensa poderá mostrar os cerca de 14 mil jovens licenciados sentados à espera de emprego no fundo desse túnel.
Há ainda a ter em conta os 64 mil habilidosos que conseguem receber, sem direito, subvenções da Segurança Social. Um espanto! Quase nos atrevemos a utilizar com outro sentido, a afirmação dos cábulas latinistas que ao declinarem o pronome relativo faziam uma pequena deriva dizendo: “mente a cabra e mente o bode, só não mente quem não pode” (adaptado).
Finalmente há os chamados profissionais da mentira que dizem mal de tudo e de todos numa postura bem mais radical do que a do “Velho do Restelo”.
Parece realmente que o País tem dificuldade em se encontrar, permanecendo numa guerra político-económica e social que não deixa ninguém indiferente.
Rosado Fernandes, no seu delicioso livro “Memórias de um Rústico Erudito” afirmou que o reino da Parvónia está em guerra, citando Albino Forjaz de Sampaio. Em guerra económica, social, política. Em luta aberta na educação, na justiça, nas forças armadas, com os farmacêuticos e até com os autarcas. O país está infelizmente na fase do “ todos ao molho e fé em Deus”.
Ninguém já sabe discernir o que é verdadeiro ou falso. Não é possível continuara viver à sombra do “ fama est ou do dicitur” permanecendo eternamente na dúvida metódica.
Nem é preciso falar na educação para se compreender a poderosa e penalizante entropia que existe neste sector. Bastará lembrar que desde 1974 a 2006 tivemos, nem mais nem menos, 29 ministros nesta área o que em cerca de 30 anos dá a incrível média de 1,1 ministros por ano. E ainda tivemos dois ministros de legislatura, Roberto Carneiro e Marçal Grilo. Assim não é nem será nunca possível termos um Portugal moderno e europeu.
Fazer um balanço deste ano que agora está prestes a chegar ao fim torna-se, assim, muito difícil. Por isso, quando dialogamos com alguém que quer saber verdades, optamos pelo não sei.
Às vezes parece que o Pais está melhor, ou talvez não. Que a educação está melhor, ou talvez não. Que a justiça funciona agora bastante melhor, ou talvez não. Que o Ensino Superior se encontra no centro de uma enorme revolução, ou talvez não, ou talvez sim.
Resta-nos a grande satisfação de possuirmos muito em breve helicópteros que disparam para a frente e para trás, submarinos atómicos, TGV ultra rápido para um País minúsculo e um novo aeroporto da Ota dimensionado já para o ano 3500.
Assim, bem vistas as coisas e tentando fazer um balanço do ano 2006, talvez não estejamos assim tão mal. Ou talvez sim.
Entretanto todos somos motivados diariamente para encarar o futuro com expectativa positiva.
Que Deus nos ajude e rapidamente.
E, já que estamos próximo do novo ano de 2007 permito--me aconselhar, com algum sentido de humor, algumas leituras, embora correndo o risco de me acusarem de imitar o José Lello.
Ao governo recomendo o livro de Fernando Gil “ O Tratado da Evidência”.
Ao Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, a obra de Daniel Goleman “ A Inteligência Social”.
Aos nossos políticos a nível nacional a obra de Gilles Lipovetsky “ A Era do Vazio”.
Aos nossos concidadãos o livro de José Gil “ Portugal, Hoje, O Medo de Existir”. Aos que ainda acreditam na luz ao fundo do túnel, lembro a necessidade de espreitarem o delicioso livro de Raul Miguel Rosado Fernandes “ Memórias de um Rústico Erudito” pedindo-lhes que, depois da leitura, parem, reflictam e concluam.
Fazer balanços sem afastamento temporal dos factos é por isso muito difícil. E se acrescentarmos que o talento do historiador consiste em compor um conjunto verdadeiro com elementos que são verdadeiros apenas pela metade, então o grau de dificuldade aumenta para o dobro (E Renan).
Até para o ano.
João Pedro Barros
(artigo de opinião publicado no Suplemento Ano 2006 do Jornal Diário Regional de 02-01-2007)
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